Vantagem


     A fila, no final da tarde, na padaria do supermercado, estava grande. Todos sabemos que é assim, na temporada de verão, em quase todos os lugares da cidade: precisamos ter paciência redobrada  por causa do grande número de turistas partilhando espaço conosco. Minha senha era de número 603 e estavam atendendo o número 588, quando cheguei. A fila aumentava, todos querendo pão fresquinho para o jantar.  Até que elas chegaram, avó e neta! A neta pegou a senha e ela e a avó não gostaram do número. Ficaram por ali, inquietas e foram, ao contrário de nós, que aguardávamos nossa vez com tranqüilidade,  aproximando-se do balcão. Eu pensei: “elas vão tentar passar na frente, mas não vão conseguir, porque há um respeito e uma sequência garantida pela senha”... Mas eu não contava com uma outra artimanha! Quando chegou a vez do número 600, um jovem simpático,  a vó aproximou-se, abraçou-o e começou a conversar com ele como se fossem conhecidos, como se estivessem juntos, íntimos! Entendi o plano! O jovem fez o seu pedido e depois fez os pedidos que a avó sussurrava ao seu ouvido. Assim as duas passaram à frente de todos nós, com certeza pulando umas dez pessoas, ou mais. E riam e cochichavam, contentes com sua esperteza. Agradeceram ao jovem! Que por sua vez, encaminhou-se ao caixa com um sorriso de “dever cumprido”; de bom rapaz!
          A vó não era uma velhinha frágil; mostrava-se bem ágil, forte, alegre. Deixá-la passar na frente, de fato, seria uma boa ação; no meu entendimento, se ela pedisse a todos nós que estávamos ali, ou se isto partisse do desejo e iniciativa do jovem ou de algum de nós; ou se ela fosse realmente bem velhinha e frágil e, estivesse sozinha. Não estava. A avó poderia ter ido sentar nos bancos que ali estão (como meu pai sempre faz, enquanto me espera concluir as compras) e deixar a neta, bem forte e saudável, na fila, aguardando o que a senha determinava. Não gostei da forma. Não gostei do exemplo. Não gostei dos risos, pareceu deboche. Não gostei da minha postura, assistindo, voz presa. Fiquei pensando, depois do ocorrido, que, assim como nos caixas, poderia haver, neste tempo de temporada, uma fila especial, para gestantes, idosos, etc...ali, na padaria, onde acontece a segunda maior aglomeração nos supermercados; isto talvez evitasse o que aconteceu e que classifiquei como algo tremendamente desrespeitoso e um mau exemplo de um adulto, no caso, da vó para a neta. Fiquei indignada, sim! E por uma “coisa corriqueira”, pequena, disseram-me. Existem outras piores, de maiores proporções e consequências; mas eu penso que estas começaram, certamente, assim, com as pequenas e corriqueiras. A lei da esperteza, de tirar vantagem, de tirar proveito está, infelizmente, incorporada, como se fosse um valor ou um consenso. Assim como a omissão e a submissão. De repente ficou bom pensar que tenho um ano inteirinho pela frente como um tempo bom  para trabalhar, refletir, semear, algo diferente, mais concreto em relação a isto; senão com os outros, ao menos comigo mesma. 

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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