A neve e a escola

Eu vi a neve uma única vez e com meus olhos de criança. E  era aniversário do meu pai! Estava na primeira série. Era meu primeiro ano na escola, no Ruizinho. A escola e a neve chegaram no mesmo ano e aquele foi, sem dúvida, o ano mais significativo da minha vida, por causa da descoberta da leitura e da escrita. De repente, o dia amanheceu branquinho e não era novidade somente para as crianças. Era também para a maioria dos adultos. Que fenômeno!  Provocou uma mudança nos hábitos, alterou a rotina daquele dia. Mas eu fui à escola! Não sei o que motivou meus pais me levarem para a escola, neste dia! Na verdade, eles e mais duas famílias: estávamos três alunos e a professora, em sala de aula, naquela manhã. Nem a professora sabia muito bem o que fazer, parece. Ela estava diferente. Eu lembro que a rotina também foi diferente. Nós não conseguíamos sair das janelas, que eram muito altas. “Entroxados” de roupas de inverno, subimos nas classes encostadas (acho que pela professora) na parede e grudamos nossos rostos no vidro, espiando (com olhos que não abriam mais por falta de espaço) o “lá fora”, a neve! Ela cobrira todo o gramado e as grossas árvores. Nada do verde! Onde fora? Era lindo e era assustador... a falta de cor! Não lembro de sentir frio. Ao contrário. Lembro deste dia como algo cheio de quenturas e coisas aconchegantes, mágicas! Talvez porque oportunizou uma aproximação maior com a professora, que nos deu uma atenção extra, especial! Por um dia, éramos os únicos, especiais para ela. E isto era muito bom! Estávamos ali, os quatro, próximos como náufragos; ilhados naquela imensa sala de aula, cercados por todo aquele extraordinário milagre branco! Doce momento de intimidade que poderíamos ou deveríamos estar partilhando com os familiares, mas não, estávamos ali... por quê? A professora, com certeza, por dever ou por não se permitir faltar. E eu e meus dois colegas? Aparentemente, devido ao grande senso de responsabilidade de nossos pais. No decorrer da vida profissional, anos mais tarde, encontrei muita dificuldade em me permitir faltar ao trabalho e, quando faltei, por motivo de absoluta falta de condição física, a culpa assombrou. O que o inconsciente registrou naquele  dia em que eu vi a neve, neste sentido?... Muito clara é a recordação dos rostos grudados à janela, cujo vidro embaçava a todo instante, com a nossa respiração. Então aproveitávamos para desenhar, fazer rabiscos (era muito divertido!) até que o vapor sumia e a neve surgia aos nossos olhos, outra vez, desconhecida e sedutora, lá fora! A professora, num ímpeto de alegria e ousadia,  decidiu nos levar ao pátio. Deus! Que era isto de pisar numa grama verde transformada em gelo?! De repente, parecia que éramos personagens saídos dos livros de histórias que aprendíamos amar! E brincamos, fazendo bolinhas de neve, jogando-as para lá e para cá... fizemos até um boneco de neve! Assim como víamos nos livros de histórias! Um dia mágico, este em que “caiu” neve, em Ijuí. Mágico! Acho que porque eu o vivi, em parte, na escola; que sempre foi um lugar de coisas boas para mim. Um lugar onde encontrei os livros, as histórias, os contos de fada, as letras e as palavras e, a professora acolhedora. A sensação que eu tenho, ao lembrar, é de que ali comecei a viver: quando comecei a escrever a minha história e ler a vida ao meu redor. Na escola.  

 

1 comentários:

Elis Teixeira disse...

Aiiii chorei! Que lindo Maisa, amo teus escritos e por consequencia... te amo também! rs rs


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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