Fonte de alegria

Pombos no calçadão
pombos na praia,
nos beirais dos telhados e dos terraços
passeando, displicentes e confiantes
entre nós...
No cotidiano corrido,
cheio de necessidades,
coisas a consumir,
contas a pagar,
aparências a cuidar,
modelos a seguir,
quem  se pergunta:
por que os pombos estão avançando
e tão sem medo e sem vergonha
invadindo o nosso espaço?
O que houve com o espaço dos pombos?
E com outros tantos espaços que se foram
sem que ninguém impedisse?
Passarinhos sem espaço.
Respeito sem espaço!
Casas sem muro, andar seguro
brincar na rua, confiar na palavra,
na justiça... coisas com tão pouco espaço!
Crianças sem espaço!
Infância sem espaço!
E qual é o espaço das crianças?
Onde está o espaço e
a fonte de alegria, de felicidade  das crianças?

Certamente não está na pressa
em antecipar para elas, o mundo dos adultos:
nos valores, no vestir, no brincar,
nos compromissos, no falar.
Nem presa no brinquedo caro
que não pode quebrar, nem perder
e, às vezes, nem explorar, brincar.
Não está enclausurada nos eletrônicos
que viciam, isolam e tapam buracos, abandonos.
Não está prisioneira na TV de fácil acesso,
nos DVDs, filmes e musicais  comerciais.
Não está na  etiqueta das roupas e
calçados de marca, expostos e apelativos
nas propagandas, outdoors e nos shoppings.
Não está no asseio dos ambientes, das roupas,
dos lugares impecáveis,
bonitos mas frios,  intocáveis.
Não está nos prêmios e barganhas
do “se você fizer isto, te dou aquilo”.
Não está na mesada
e nem na promessa de realização
de todos os seus desejos!
Nem na prisão de segurança máxima
dos presentes, doces,  modismos
e expectativas dos adultos.
Não está nos cursos
e nem nas agendas cheias.
Não está na sua exposição
e nem na exaltação de
sua beleza, sua inteligência e suas habilidades.

A felicidade dos pombos
está no espaço!
Espaço para voar,
para estarem juntos, no bando,
abrigados e alimentados!
A felicidade dos pombos está
em viver sua vida de pombos!

A alegria, a felicidade das crianças
é algo assim, bem concreto
e também está num espaço!
No espaço que damos a elas,
permitindo que sejam crianças
ajam e pensem como crianças!
Vivam, plenamente, sua vida de crianças!

A alegria das crianças está em explorar o mundo!
Conhecer o mundo pelos sentidos:
ver, pegar, cheirar, ouvir, sentir o gosto,
medir, comparar, chorar, cantar e falar!
Delícia! Delicia maior não há!
E explorar, é brincar!

Brincar na água fresquinha
geladinha... sentí-la escorrendo pelas mãos
Vir e ir... livre!
Tomar banho de chuva!  Banho no tanque!
Banho de mangueira!
E fazer lama!
Banho de lama! Bolo de lama!
Fazer buraco na terra,
sentir o cheiro da terra
perfumando a tarde quente
depois de uma chuva de verão!

Alegria e pura felicidade, na vida de uma criança
é subir na árvore, como um macaquinho!
Chegar nas alturas
deslizar pelos galhos...
O medo de cair,  infinitamente menor que o prazer de subir!
Balançar!
Cochilar na sombra gostosa,
fazer da árvore uma casa, um clubinho.
Brincar com as letras, os números
aprender com prazer, com cuidado,
no seu tempo, com respeito, devagarinho!

Coisa gostosa, que criança gosta é
deitar na grama e observar a transmutação das nuvens,
improvisar um carrinho com sucata velha.
Mexer nas gavetas, mexer nas panelas
fazer comidinha,
brincar de casinha,
de papai, mamãe e filhinha!
Pular corda, jogar bola
andar de bicicleta na rua!
Mexericar, puxar o rabo do gato
fazer carinho do cachorrinho.
Correr atrás de borboleta
curiosar a natureza!
Brincar com os amigos:
pega-pega; esconde-esconde
amarelinha, bolinha de gude.
Bolha de sabão, telefone sem fio,
soltar pipa, espiar vaga-lume...
contar estrelas e cantar e rir
até dormir!
E rodar e saltar e rolar
e subir e descer
e de novo sorrir e correr!
Comer bolo e ouvir histórias
na casa do vovô e da vovó.
Ganhar beijos e abraços
quase que por nada... por carinho, só!

A alegria e felicidade mais genuína das crianças está
na simplicidade das coisas,
naquilo que, desde que o mundo é mundo
encanta as crianças de todo mundo
e não custa nada
a não ser tempo e espaço.
Espaço dentro das nossas vidas.
No tempo que lhes damos para que possam
circular, deslizar, entrar nas nossas vidas
marcar nosso coração
com suas gracinhas e agrados!
Marcar nossa mente
com suas hipóteses curiosíssimas
deduções brilhantes
e sua inteligência pura!

No espaço que damos a elas,
no nosso abraço! Abraço
onde se abrigam do medo, do frio,
das culpas, das dores e dos desafios deste mundo;
cativante e assombroso, ao mesmo tempo!
Nosso abraço:
o espaço mais seguro!

A proposta desafiadora, hoje, é:
resgatar a  essencialidade
das coisas e das relações:
de dentro do nosso cotidiano!
Deixar fluir o sentimento.
Largar, um pouco, a rigidez dos formatos,
dos horários e das resistências.
Abraçar e curtir o que é mais precioso:
este presente do presente!
Que é o estarmos juntos e,
como as crianças e os pombos: felizes!
Na simplicidade das atitudes,
na delicadeza e sofisticação dos afetos!


 

2 comentários:

Unknown disse...

Que linda mensagem... nos faz abrir os olhos para o coração... simples assim...

Maisa Schmitz disse...

Obrigada, Mônica.


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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