A Rota do Sol





               Segunda-feira, Abril de 2018, um lindo dia viajando pela Rota do Sol, estrada que atravessa o RS de leste a oeste, seguindo o trajeto do sol (acho isto tão poético!)... Voltando para casa e de um final de semana festivo, enlaçando vinhos perfumados, chimarrão, conversa, comilanças, celebração da vida e benquerer com uma parte da família, na Serra Gaúcha. Bom demais! Lindo demais: as paisagens e o aconhego dos abraços familiares!

       Paramos num mirante, na Serra do Pinto, para contemplar aquele horizonte de tirar o fôlego, cheio de verdes desenhos! Então lembrei de uma outra viagem percorrendo este mesmo trajeto, visitando aquele mesmo mirante com meu pai e minha mãe; eu, meu marido e um dos meus filhos, há alguns anos atrás; vindos de Ijuí, Noroeste do RS, para visitar a Serra Gaúcha, mais especificamente a Região das Hortências: Gramado e Canela. Todos estávamos animados e felizes; encantados com a natureza maravilhosa, especialmente meus pais, que poucas vezes tinham “viajado longe”... Meu pai mesmo, exclamava o tempo todo, não dando conta de tanto olhar e emocionar-se:

       - “Isto nem é paisagem, minha filha! É uma “mãesagem”!

       Em Gramado, fazíamos o “check in” no hotel, quando um funcionário perguntou, lá pelas tantas, ao meu pai, de onde ele vinha, de onde ele era. O Ximitão respondeu emocionada e prontamente: “nós somos de Ijuí, láááááá do Rio Grande do Sul”! Eu escutei aquilo e por alguns segundos não consegui distinguir o que não estava “soando bem”. Houve um silêncio momentâneo até que a ficha caiu! Procurei falar com todo respeito,  seriedade e conter um riso misturado com um sentimento novo, de ternura infinita. Eu o abracei, querendo, na verdade, segurá-lo no colo:

- Mas, pai... aqui também é Rio Grande do Sul! Nós não saímos do estado...

       Era, de fato, hilário! Mas todos tentamos nos controlar ao máximo, naquele momento; embora, mais tarde e em muitas ocasiões, tenhamos brincado, nos divertido muito lembrando deste episódio, nos nossos reencontros! Mas naquele dia, meu pai riu um riso envergonhado, sem som. Parecia um menino flagrado fazendo arte! E eu, mesmo achando graça, senti, naquele momento, crescer em mim o sentimento de ternura, gratidão respeitosa e a sensação de que sutilmente começávamos a trocar de posição: eu, filha, a proteger e cuidar dos pais.

       Mas, a fala do querido Ximitão fazia sentido. As “mãesagens” da Serra, o clima, as construções, etc, eram muito diferentes daquelas a que ele estava acostumado. Ser gaúcho, ser do Rio Grande estava  relacionado ao seu pequeno mundo e adjacências; ao que conhecia, ao que fazia e apreciava.

       Meu pai vivia num mundo restrito. Mas tinha ideia de que o mundo todo era imenso; com longas e inalcançáveis distâncias;  diante das quais, ele se sentia muito pequeno. Hoje, eu vivo num mundo que se abre, onde distâncias se encurtam; eu vislumbro e acesso a muitos horizontes; mas também me sinto pequena diante do tanto de coisas que não sei, não conheço. Meus filhos e sua geração vivem num mundo onde distâncias e barreiras geográficas quase não existem; são muito mais cidadãos do mundo do que  de um lugar específico. Como será para minha neta, outros netos que vierem e para as gerações futuras?

       Por outro lado, na sua simplicidade, meu pai sabia olhar, contemplar; ouvir uma música, admirar-se e expressar encantamento por algo! E produzir alegria! E agregar. Seu mundo interno era sossegado, com pouca ambição, certa acomodação mas com muitos propósitos; o principal: ser um bom cidadão no seu contexto.

       A parada no mirante foi curta, mas viajei longe, através dos verdes, nas recordações e associações...  

Quando retomamos a viagem eu segui pensando que estudar, saber, viajar, conhecer, falar línguas, encontrar e interagir com belas “mãesagens”, tecnologias e com as singularidades dos cidadãos do mundo é tudo, tudo de bom! Mas que pena! Que pena que isto não garanta justiça; cidadãos inteligentes, éticos, educados, sensíveis, acolhedores e solidários; que a exemplo do sol, abracem seus talentos e percorram seu caminho, cumprindo sua parte nesta rota, que são os encontros, o cotidiano, a vida; mesmo com os atrapalhos, com as faltas que, afinal, fazem parte do trajeto e do aprendizado. É uma pena... porque as rotas, suas “mãesagens”, horizontes e criaturas, belas e talentosas, merecem olhar mais apurado e maior cuidado. 

 

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