Órfãos da Lola

       
         De tardinha, Brigite já estava acomodada no seu poleiro, descansando da labuta diária, esgravatar  as cercanias da casa.  Mas e a Lola? Cadê a Lola? Não apareceu. Não respondeu aos chamados. Nem ao som mais apelativo e irresistível: da ração "cantando" no pote! A noite chegou e as buscas não puderam prosseguir na floresta escura.
        Ao amanhecer do outro dia, só Brigite cantou e pôs seu ovo, cumprindo com sua obrigação, antes de sair ciscando e brincando de desencavar tesouros por todas as partes do seu rico universo... Mas tem graça brincar sozinha? Cacarejar sozinha vocalises galináceos? Desbravar mundo e fundos, sozinha? Não. E Brigite voltou logo para perto do galinheiro, chamando sua amiga! Veementemente! Invadindo, com audácia, os limites da casa, desconfiando que sua amiga pudesse estar escondida ou prisioneira. Mas não estava.
        Lola apareceu no meio da tarde. Veio morrer em casa. Veio cambaleante, fraca, quase inconsciente. Veio, pelo afeto e pelo dever. Veio morrer em casa, entre os seus e, num esforço de dar dó, cumprir sua sina feminina: por um ovo, seu último ovo.  Tão grande era este desejo que conseguiu, mas ele não estava pronto; era um ovo em formação, ainda ... mas valeu a intenção, Lola!
        Nunca saberemos o que aconteceu com ela, durante o tempo em que ficou desaparecida; penas que foi ferida mortalmente. Aparentemente não estava marcada; não tinha ferimento aberto e nem vestígios de sangue. Mas seu peito estava sujo e sem algumas penas. Mereceu carinhos, um banho, uma caminha limpa. E se entregou. Morreu.
           Brigite não se conforma. Não entende o que houve. Está atônita. Elas eram boas parceiras. Estavam sempre juntas. Imagino a dor. Todos estamos mexidos. 
      Chegaram, hoje, mais dois pintinhos; na verdade, duas “pintinhas”. Logo crescem, sabemos e farão amizade e boa parceria com a Brigite; porque todas são galinhas do BEM. Mas, a Lola, nunca mais! Lugar, no espaço físico, pode ser ocupado por um outro; mas no coração... no coração, não! Cada um tem o seu lugar. Ninguém ocupa o lugar de ninguém, no campo dos afetos. Lola  não era apenas uma galinha. Era nossa galinha e ela nos deixou órfãos da sua  presença e generosidade cotidiana.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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