Fora do ninho

No supermercado, meu filho chamou minha atenção para o passarinho. Ele voava de lá para cá, emitindo um som intermitente e lamentoso. Não pude, então, tirar meus olhos dele, procurando-o por entre os corredores e produtos; naquele salão amplo, quando sumia das minhas vistas. Era mais fácil e cativante acompanhá-lo, envolver-me com ele do que com a rotina de fazer compras, no mercado, como todo sábado. Imediatamente veio à memória os “flamboyants vermelhos” do texto do Rubem Alves,  que li recentemente e que eram tão significativos para a mulher do amigo dele... não sei muito bem que ligação aconteceu, dentro de mim, entre uma e outra coisa! Gosto de uma justificativa do próprio Rubem “caminho para levar meus sentidos a dar um passeio ”... E de fato pensei tantas  coisas... senti outras tantas, muito tocada com a prisão do pássaro dentro do supermercado e, mais especialmente, com a evidente impossibilidade dele forjar a liberdade e com a minha absoluta impotência diante do fato. Imaginei como ele entrou ali... movido pela curiosidade, interrompendo voos pelos azuis e pousos suaves nos emaranhados verdes... audacioso, ingênuo e equivocado! Erro grave de escolha, de direção. E agora, ali; prisioneiro! O barulho da chuva, o calor do sol; as cantorias com as manhãs nascendo; o entardecer cheio de mil novidades com o bando... as coisas que ama, logo ali... tão pertinho! Pode até ouvir a cantoria dos companheiros; mas não pode vê-los! Onde se escondem? E para onde foram as árvores, as flores? O rio? E o mar?! E o infinito aberto para ocupar... em voos sem hora e sem tempo para chegar? De repente me envolvi com a escolha dos legumes. E foi aí que me perdi do passarinho. Não o localizei mais. Saindo do caixa, com as compras, procurei-o novamente e como não encontrei, escolhi um final feliz: apesar da aparente dificuldade, ele finalmente encontrou o caminho para a liberdade! Porém, agora, em casa, me assalta o pensamento de que ele continua preso, empoleirado na escuridão e solidão do mercado; abraçando seu próprio corpinho com as asas e sonhando... Sonhando com o lado de fora. Tomara que o sonho se realize e que eu não o encontre lá, no próximo sábado!

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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