Regresso (1)

     
    Voltando pra casa. Um caminho longo, por estradas ora bem cuidadas e sinalizadas, ora em péssimo estado, abandonadas. Fora, contornando a paisagem característica (bordada com os desenhos e cores magníficas das imensas lavouras e dos campos verdes e solitários, onde o gado, indiferente ou conformado, perambula), um revezamento de chuva forte, garoa e cerração. Dentro, introspecção e nostalgia. No rádio, músicas nativistas sinalizam, para quem não sabe, que região do país é esta: Rio Grande do Sul. E elas falam deste homem, este ser humano com o qual me identifico, porque está na minha raiz; este homem solitário, forjado na dureza da lida, não poupado de nada; que cai e se levanta e vai em frente e não desiste; castigado pelo vento, pelo frio, pelas distâncias e por todas as metáforas relacionadas. Forte, sim! E solidário e afetuoso, generoso e fraterno atrás da rudeza, timidez ou uma certa altivez e reserva. De vez em quando, a luz do sol clareia o céu, empurrando as nuvens e a chuva; é de pura alegria pela minha volta, eu sei! Mas, ao longe, os morros e os capões, arremedos de antigas florestas, cobertos de neblina, espiam, com olhos marejados. É saudade, sei. De mim. Do que eu era, do que eu fui e do que eu desisti de continuar a ser e do que eu poderia ter sido, se não tivesse ido embora.
      Aos poucos, a estrada de fora é estrada de dentro e vou reencontrando e entrando nesta minha vida que não é mais minha vida, mas que está ali, inteira e intacta; como se me esperasse para retomar e continuar do ponto onde a deixei. Mas não dá. Nada mais é como antes, somente nesta lembrança viva. Não sou mais a garota, com a vida toda pela frente. Escolhi outros caminhos e eles me acrescentaram diferenças e forjaram uma outra mulher que não cabe no corpo desta que ficou aqui... muito de toda aquela “vida pela frente”, já passou. O futuro longe, já chegou. Volto cheia de marcas... umas suaves, belas; outras, dolorosas,  que sangram sem parar.  A vida não poupa. A peleia, a lida dura também se dá longe dos pampas. As lembranças vivas, me questionam: não teria sido melhor ficar aqui? De quantas coisas teria me poupado? Quanta coisa boa teria seguido e, na sequência, oportunizado mais felicidade a mim e aos meus? Não posso responder. Não sei. E não posso, aqui, ser aquela que eu era e nem a que eu sou agora. Aqui, eu circulo num espaço de intersecção; vejo o antes, vejo o depois. O agora é este meio, atemporal. E no meio, não sou nada. Olho para estas duas de mim e não consigo abraçar as duas, juntá-las. Só vê-las, sentí-las... misturadas que estão à chuva, à neblina, às cores dos campos, aos sonhos e lembranças de toda vida, de todas as vidas; imersas numa solidão, que de  tão grande, tão funda e tão intensa, atravessa os extremos e se reencontra e reintegra num todo, chamado amor. É o que fica, sim; depois de tudo e do final, onde resta a saudade (a que se  explica e a saudade urgente e sem palavras) e, ainda para além dela: o amor.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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