Escolher e depois pensar?

         

     Um dia destes, em uma turma, numa quinta-feira antes da Páscoa...
Um aluno, com um manto amarelo, compenetrado, representava Pôncio Pilatos; outro,  de manto azul, um pouco envergonhado era Jesus e outro, sem manto, incomodado porque não gostou da cor que sobrara: rosa; Barrabás. À frente deles, povo inquieto, ansioso e barulhento: o restante da turma.
         Pilatos, acalmando o povo, levantando firmemente a mão direita, falou:
         - Gente! Como fazemos sempre, na Páscoa, agora vocês vão escolher entre dois prisioneiros, qual merece uma chance e ser libertado...
         Foi interrompido pelo povo:
         - Pi-la-tos! Tchã-tchã-tchã! Pi-la-tos! Tchã-tchã-tchã! Pi-la-tos! Tchã-tchã-tchã!!!
         Um pouco nervoso, Pilatos acalmou novamente o povo, que se mostrava cada vez mais inflamado.
         - Temos aqui,  Barrabás! Ladrão e assassino, condenado a morrer na cruz...
  - Barrabás! Tchã-tchã-tchã! Barrrabás! Tchã-tchã-tchã! Barrabás! Tchã-tchã-tchã! - zoou o povo.
            - E aqui: Jesus!
      Silêncio... o povo só na escuta, na contenção... prestes a explodir.
         - Olha... eu digo para vocês que não acho que este homem, Jesus, tenha feito algo tão grave que mereça estar aqui, mas já que ele está, vocês decidem. Quem vocês querem que eu liberte: Jesus ou Barrabás? –  falou Pilatos, lavando as mãos.
         E o povo explodiu:
         - BARRABÁS! BARRABÁS! BARRABÁS!
      - Mas e o que faço, então, com este Jesus? – Pilatos estava visivelmente decepcionado.
   - CRUCIFICA! Tchã-tchã-tchã! CRUCIFICA! Tchã-tchã-tchã! CRUCIFICA! Tchã-tchã-tchã!
         Aí, acabou o  1º ato.
Todos voltaram para seus lugares, no círculo; a aula continuou.  A professora pegou a palavra:
- Agora, vamos pensar e conversar um pouco. Quem  decidiu e escolheu libertar um e condenar outro?
- O povo! –  responderam unânimes.
- E quem, no domingo anterior, estava esperando com grande alegria, na entrada da cidade, Jesus; que chegava, montado num burrinho? Saudando-o, aclamando-o, aplaudindo-o; manifestando apreço, respeito e grande consideração a ele e seus feitos?
- O povo! – novamente unânimes.
     - Bom... mas o que será que aconteceu, então, para que este povo mudasse de opinião, tão rapidamente, em cinco dias?
Silêncio. Ah! Finalmente! Tão bom quando a resposta não vinha pronta,  na ponta da língua e eles se punham pensar...
- Acho que muita gente e o prefeito ficaram com medo de perder o poder! –  expressou um menino, pedindo a palavra, depois de um tempo. Dois ou três balançaram afirmativamente a cabeça, após sua fala.
- É... acho que eles tinham combinado isto, antes, com os soldados e algumas pessoas do povo... Foi uma farsa! – completou outro, sendo aplaudido por um número maior de colegas.
- E eu acho que eles não pensaram direito... – arriscou outro, um pouco inseguro.
Silêncio, novamente. Hum... algo ali, mexera! E por ali, a professora entrou, feliz! Orgulhosa com as hipóteses levantadas.
- Muito legal! Esta é a questão: pensar! Mas não com e nem pela cabeça dos outros. Com a nossa! Como estamos fazendo agora. E eu pergunto novamente:
- Quem vocês teriam escolhido, se estivessem lá?
Depois de algumas brincadeiras (normais, usuais) a resposta veio, em uníssono:
- Jesus, claro, né, profe!
E cada um justificou a escolha. Então a professora perguntou apertou:
- Mesmo com toda aquela multidão gritando por Barrabás?
Um silêncio mais prolongado e incomum se fez. Aos poucos, começaram a se posicionar;  mostrando-se muito convictos de que não teriam vergonha, nem medo de escolher pela própria cabeça, Jesus. Mas um, envergonhado, ficou em pé e falou:
- Eu acho que não teria coragem, professora, de escolher Jesus, no meio daquela gente gritando por Barrabás!
Todos olharam para ele; mas ficaram com seus pensamentos. Nada de riso, nem de reprovação, nem de comentários. A professora pensou no quanto era bela esta espontaneidade e sinceridade! No quanto era tudo de bom, num grupo, quando  a confiança construída possibilitava esta exposição e também o acolhimento de cada jeito de ser e de pensar.
- Bem isto, queridos! Pensar! Pensar é um ato de inteligência e de coragem. Uma coragem que a gente vai construindo, aos poucos. Não aceitar, acreditar, espalhar, fazer por fazer ou porque disseram que é assim. Mas sim, aceitar, acreditar, espalhar e fazer por convicção; depois de pensar, investigar, ponderar. Dificilmente a gente acerta sempre. Quando escolhemos, algo, sempre corremos um risco. Podemos errar; mas errar pela cabeça dos outros é pior. É mais doloroso!
Chegou o intervalo e a professora liberou para o quintal. Necessário este hiato. Brincando, correndo, conversando, lendo na biblioteca, subindo na árvore ou sentado num pneu, contemplando a mata... cada um processaria o vivido do seu jeito. Num outro momento, amadurecendo neste exercício ininterrupto  de optar entre isto e aquilo, na roda dos dias e das noites, atualizariam percepções.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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