Uma pombinha foi para o céu

       
         
       Iam dos dois, pela rua, o dindo e a pequena de três anos. Era domingo de Páscoa, uma tarde luminosa; transpirando benquerer. Procuravam um mercadinho aberto para comprar fermento; o dindo queria fazer um bolo. Momento: “invenções dindescas.” Encontraram? Claro que não! Imagina! Domingo à tarde e ainda Páscoa... nada de mercado aberto!!!! Mas encontraram algo, sim...
         - Vovó! A gente encontrou um passarinho morto, na rua!
     - E ela me disse: - “Dindo, vamos levar o passarinho pra vovó fazer um “reiquinho”, nele” ?  -  continuou o relato, o dindo.
         - É vovó... mas o dindo não quis trazer... eu disse pra ele que você cuidou e fez “reiquinho” pro passarinho Luano e pra galinha Magali e eles ficaram bons... –  ponderou a pequena, bastante chateada.
         - Expliquei pra ela que o Luano e a Magali só estavam machucados; por isto que os cuidados e o reiki da vovó deram resultado; mas que aquele passarinho, caído ali, na rua,  estava morto. Vimos até  bichinhos comendo ele... – completou o dindo.
         A vovó, então, na delicadeza do momento, confirmou a fala do dindo:
         - Verdade, querida! A vovó não pode fazer mais nada se o passarinho já está morto. Com certeza, ele já está lá no céu dos bichos, junto com os bichinhos que a gente gostava e morreram: o Bin, a Lisa, o Sig, a Chochô, a Lola... Mas que coisa bonita esta sua preocupação  com o passarinho!!!!
         Aparentemente, o assunto encerrara ali... mas, não!!!
         À noite, a vovó não conseguia dormir; lembrando do fato. Puxa! No domingo de Páscoa, sua netinha encontra um passarinho morto na rua, se preocupa com ele; acha que a vovó pode ajudá-lo e a vovó não fez nada; além de discursar?
         Na manhã seguinte, a pequena voltou e os três: ela, a vovó e o vovô,  foram dar a voltinha costumeira na quadra em frente da casa. A pequena ia feliz, pedalando sua motoca! Os avós, revezavam: às vezes ao lado, às vezes à frente, às vezes atrás...no ritmo da tagarelice e curiosidade infantil...
         - Olha só, vovô, um formigueiro! ... Ali ó, bem ali! ... Dá um empurrãozinho vovó, que ta pesado pedalar! ... Hiiiii! Que nojo! Um cocô! É de cachorro! Que feio fazer cocô na rua! ... Não pisa no cocô, vovô!!! Olha só, vovó... quanta sujeira na rua... quem será que jogou isto? É muito feio, né vovó?!!...
         - É sim! Quem jogou, ainda não aprendeu que o lixo tem que ser colocado no lixo... Ei! - de repente, a vovó viu uma possibilidade de dar um outro final ao episódio do dia anterior - Não foi neste caminho que você e o dindo encontraram o passarinho morto, ontem?  -  perguntou a vovó.
         - Foi, sim! Vem atrás de mim, vovó!  É bem longe!
         Rapidamente,  saltou da motoca e lá se foi, puxando a mão do vovô! A vovó, que remédio, seguiu atrás, carregando a motoca.
         “Bem longe” era logo ali!
         - Aqui, vovó! “Taqui” ele!!! “Taqui ele”!!! – e a pequerrucha apontava, orgulhosa por lembrar, o passarinho.
         Na calçada, quase no meio-fio, jazia o passarinho; na verdade, uma pomba. A vovó tinha um saquinho plástico. Vovô recolheu a pombinha e todos viram, então, muitos e muitos bichinhos, ali, comendo sua carne. A pequena se assustou e quis colo. A vovó amarrou bem o saquinho e voltaram para casa: o vovô levando a menina no colo e a vovó levando a motoca e a pombinha morta, dentro do saquinho.
         Em casa, a vovó e a pequena, do lado de cá do muro, acompanhavam a lida do vovô fazendo um buraco, com a pá, do lado de lá, dentro do mato, para enterrar o corpo da pombinha. O legal é que tinha, ali,  uma florzinha, um “beijinho” cor-de-rosa e foi bem juntinho dela, que  o vovô fez o buraquinho. Que lindo!
         - Agora ela não está mais abandonada, tem um lugarzinho. – disse a vovó.
         - Tchau, pombinha! – abanou com a mãozinha, a menina; muito séria.
         - Tchau, pombinha! Leva um beijinho para os bichinhos que estão lá no céu dos bichos... – acenou a vovó.
         - Vovó... se ela só tivesse um machucadinho, você  podia colocar a mãozinha em cima dela, rezar e ela podia ficar boa, né?
         - Se ela só estivesse machucada, podíamos cuidar dela, sim; com carinho, comida, remédio, “reiquinho”...  e ela teria a chance de ficar boa... às vezes, não adianta... mas a gente sempre tenta... – respondeu a vovó, “mexida” com as implicações e variáveis possíveis.
Mas a pequena já colocava um ponto final na história, encerrando o assunto e entrando, inteira,  num outro momento. No caso: um piquenique!
- Vovô, agora você “quenque” lavar bem as mãos! – sinalizou.
- Todo mundo vai lavar as mãos, sua danadinha! E este piquenique vai ser muuuuito legal! – riu a vovó, enchendo a fofa de beijinhos.
A Páscoa continua. Vida e morte, “uma nas pegadas da outra”, como dizem os sábios... Tudo vai se transformando, renovando, continuando de outro jeito. Vamos aprendendo que nem sempre podemos dar conta das demandas, das expectativas; mas de pequenos cuidadinhos, sim. Eles sensibilizam e aproximam. Constroem ninhos e laços.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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