Incidente (2)


Na delegacia de polícia, deparei com muitas situações revelando a fragilidade, o desamparo e a incapacidade (ou grande dificuldade) do ser humano em dialogar e lidar com os afetos, com a realidade e suas demandas; com as diferenças e situações  inesperadas e desafiadoras. Num dado momento, jovens adentraram, seguidos de policiais. Ficou evidente, pelas roupas e características, que se tratava de dois grupos antagônicos. Três deles, de pele clara, musculosos e de cabeça raspada, denominados “skinheads”, estavam algemados e foram conduzidos para o interior da delegacia. Os outros, chamados “punks” permaneceram na sala de espera; estavam agitados e indignados; tinham sido importunados pelos “skinheads”, na madrugada anterior e naquela tarde. Dois deles (negros) exibiam ferimentos. Um policial trouxe as armas que tinham encontrado com os  “carecas”(brancos): duas facas, duas soqueiras e um bastão de ferro, para que os “punks” fizessem o reconhecimento. Reconheceram e depois, baixinho comentavam e repetiram expressões como “xenófobos”, neonazistas”, covardia... dando a entender que os confrontos entre os grupos eram frequentes. Um deles, num dado momento, fez uma ligação e o  escutei chamando alguém de mãe;  contando a ela onde estava e o que acontecia.  Cada um, ali, tinha uma mãe! Onde elas estariam? Será que alguma delas tinha idéia de onde seu filho, sua filha estava? O que fazia? Com quem andava? Uma delas, agora sim! A mãe sonha e deseja tantas coisas boas para seu filho, sua filha... Quem desejaria que um deles se tornasse delinqüente, ameaçador, rebelde sem causa? Ou que fosse agredido, na rua, por causa da cor da pele, da roupa,  da nacionalidade, da opção sexual, do preconceito? Uma mãe entende a dor de outra. Os perigos do mundo afligem demasiado uma mãe. Isto não tem remédio e ela tem que lidar com esta questão a vida inteira; não importa a idade do filho. Fiquei bastante mexida presenciando  o fato. A gente pensa que há tantas e suficientes coisas para um filho, um jovem fazer... estudar, trabalhar, namorar, se divertir, praticar esportes... longe da bebida, da droga, da violência... mas, por vezes e por “n” motivos, ele resolve trilhar outros caminhos... o que motiva? O que almeja? O que faltou? O que foi excessivo, passou da conta, na nossa atuação junto a eles? Estou aprofundando, lendo, pesquisando sobre estes grupos e conceitos, descobrindo o que considero terrível e retrógrado: o preconceito, este veneno, avança e cresce, mesmo num tempo de abertura, informação e progresso; manifesto na conduta de homens e mulheres, idosos, adultos, jovens e, impressionante: já nas crianças pequenas! O que é um crime terrível: nosso, dos adultos que educamos estas crianças e estes jovens! O preconceito já produziu e provocou tantas desgraças na história da humanidade e continua... O que não aprendemos ainda? Por que criamos e alimentamos as divisões, separações quando precisamos tanto do outro? Quando vamos, de fato, avançar no campo do “ser”? Ou não vamos? 

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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