Um momento dentro de outro

A tarde, ontem, num momento bem preciso, estava com o gosto, o cheiro, o frio e o vento das tardes frias dos invernos da adolescência, quando, com minha mãe, visitava a casa das tias, para o mate. A mãe e suas irmãs eram muito unidas e o mate girava, cada semana na casa de uma delas. Gostava de ficar ali, entre aquelas mulheres simples, ouvindo suas conversas, observando suas mãos calejadas, seus rostos de traços bonitos, marcados pelo tempo e por uma melancolia que sempre me inquietou. Elas despertavam minha ternura e curiosidade. Eu achava que eram solitárias. Umas eram mais risonhas, outras mais duras e sérias e outras mais caladas e tímidas, como minha mãe. O mate circulava e com ele, bolachinhas e cuca. As conversas giravam em torno de coisas da casa: quanta roupa lavada e passada; como estavam os filhos e os maridos; quando então o volume da voz baixava e alguns códigos apareciam e eu sabia que a conversa não era para “crianças” e fazia de conta que não prestava atenção. Eventualmente, acontecia um comentário sobre algo inusitado;  uma fofoca, algo referente à  novela que passava no rádio; um sonho de consumo... Gostavam de recordar. E eu gostava destas recordações, fazia muitas perguntas e elas, enquanto me contavam coisas do passado, da época em que eram crianças e depois mocinhas; riam muito e os olhos brilhavam! E eu ficava feliz pois descobria que elas, um dia, tinham sonhado com coisas  que naquele momento, eu também acalentava. Isto me aproximava delas... Ao mesmo tempo, temia que os meus sonhos, assim como os delas, não se realizassem nunca. Eu gostava daqueles momentos, de estar naquele universo feminino, imaginar que um dia eu seria como elas e conheceria todos estes segredos que envolviam o ser uma mulher adulta e que estimulavam minha imaginação... Estas recordações todas vieram de repente! Tão rápidas e tão vivas quando fechei os olhos  para saborear o contexto; na casa de uma amiga! As tardes do passado misturaram-se com esta tarde do presente e eu senti como se estivesse, outra vez  lá e, ao mesmo tempo ali, no ateliê dela, também um universo totalmente feminino. Ela trabalhava nas suas encomendas de patchwork e eu tricotava uma touca para minha neta. Em meio aos silêncios respeitosos, necessários ao fazer de cada uma e às particularidades preservadas; aconteciam as trocas de confiança. E havia o café... E uma doce sintonia entre nós duas, mulheres tão diferentes mas com inquietudes, observo, que assolam o feminino “desde que os tempos são tempos” ou “desde os tempos de dantes”, ou “desde que o mundo é mundo’... e as mulheres estão por aqui... Que fantásticas são as lembranças! Como numa fração de segundos a gente pode se reportar ao passado, como se ainda estivesse lá, sentindo na pele a temperatura daquele exato momento; percebendo o balançar das árvores e o cair das folhas, os cheiros e expressões dos olhos, os tons de voz... como se um tempo estivesse dentro do outro, o tempo todo... Bom experimentar isto!

 

2 comentários:

Unknown disse...

Uma belezura hein ?

Maisa Schmitz disse...

Sim, este viver e partilhar espaço com tudo isto! Obrigada!


Minha foto
2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

Arquivo do blog