Faxina

     O dia da faxina é sagrado. Mulheres aprendem isto bem cedo, com as mães, avós, outras mulheres. Maria, tão pequenina, já aprendeu também, pega um paninho e vai limpando, imitando a mãe, a vó... Uma casa precisa de faxina. Minha mãe fazia e, ainda faz, faxina todos os dias. Eu só consigo fazer aos sábados. É o tempo que eu tenho. E tenho lamentado, porque gostaria de usar este tempo de outra forma. Mas uma casa precisa de faxina. Tentei ter uma faxineira. Várias vezes. Não deu certo. Minha casa é muito grande, com muita escada e muito vidro. Isto assusta e elas não voltam. E tenho um agravante: nenhum de nós, em casa, gosta, fica à vontade com uma pessoa estranha dentro. Descobrimos, recentemente, que  muito lá no fundo, escondidinho, ficamos, cada um no seu silêncio, torcendo para que elas não venham mesmo. E quando não vêm, o alívio é sempre maior do que a decepção. Então, o jeito é pôr a “mão na massa” e faxinar, do jeito que é possível, a cada sábado que amanhece. 
     E o que faz a outra parte de mim, enquanto o corpo faxina, corre, abaixa, levanta, varre, molha, seca, esfrega, torce, escova, lustra, tira pó, dobra, passa, sacode, estende... ? Porque eu, eu não consigo ficar “inteira” na faxina! Minha cabeça e meu coração são rebeldes e nunca entram em consenso com estas atividades mecânicas, repetitivas e, praticamente inúteis, porque a gente limpa para sujar. Limpa outra vez para sujar outra vez... A outra parte de mim, viaja, pensa, reflete, medita. Conversa, discursa. Atualiza e “acerta contas” com “deus e o mundo”! Também chora e briga, de raiva, de tantas saudades e de impotência. Prepara aulas e imagina, sonha e cria! 
     Ontem, na faxina mais recente, descobri que isto também é faxina! Faxina interna. Vou limpando fora e arejando dentro; revirando meus  conteúdos. Descobri que ao contrário do que eu pensava, durante a faxina estou e sempre estive mais “inteira” do que pudesse imaginar; faxinando por dentro e por fora! Me dei conta disto quando falei para o meu filho que “um dia destes, quando tiver um tempo maior, de férias, vou separar e jogar, um monte de coisas inúteis, espalhadas e entulhadas pela casa toda, fora”! Imediatamente veio um eco repetindo, lá do mais fundo de mim: “dentro também! Há uma porção de inutilidades, velharias, “cacos” nos quais estou apegada e que não servem para nada, a não ser para ocupar espaço, dar trabalho; que eu fico limpando, quando devia estar jogando fora”.                   Acredito que daqui para frente, estes dias de faxina serão mais tranqüilos; porque finalmente compreendi que faxina é algo absolutamente pessoal e intransferível, ninguém pode fazer, mesmo, pela gente, por mim. Uma vez na semana é o mínimo, para ter mais leveza e bem estar. Certa está minha mãe, faxinando todos os dias! Pena que ela ainda, com tantos anos “na lida”, ainda não tenha “atentado”  e aproveitado para fazer a limpeza interna. Espero que eu consiga, agora que “atinei” e que as mulheres que vêm depois de mim, minha filha e minha neta, aprendam ainda mais cedo do que eu a transformar trabalho em liberdade.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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