09 - Na janela

      Da minha janela, vi que o 1º dia do ano acordou um pouco tímido e silencioso, diferente dos outros dias deste verão; mas aos poucos foi se abrindo para o sol, para o azul e liberando a cantoria dos pássaros, uns aqui, outros ali... cada um no seu ritmo e na sua melodia preferida. Acolhi isto como algo muito especial, como se escutasse a Mãe Natureza aconselhando para ir devagar, com cuidado e respeito adentrando neste 2010; percebendo e escutando antes de agir. Na roda do chimarrão, escutei meu pai. Ele lembrou de um final de ano, na infância dele, quando foi com o pai dele, vô Otto, visitar uns parentes que moravam em outra cidade, num interiorzão do RS, como ele diz. Para o jantar da “virada do ano”, todos foram pescar, a pesca era fácil no rio próximo da casa. Durante a madrugada, meu pai teve uma terrível dor de dente. Lembra que chorou muito e não havia nada para fazer, a não ser, ficar ao redor do fogão à lenha e ir colocando cinza em cima do dente. E foi isto que o pai dele ficou fazendo a noite inteira... e ninguém procurou um dentista no outro dia. E o dente se perdeu, como outros... O chimarrão continuou no silêncio longo que se fez, cada um de nós mergulhando nesta fala dele... Parece que isto instaurou o fio que enlaça todas as coisas, passado e presente, de repente... E minha mãe lembrou da avó dela, que morreu aos 35 anos, após dar a luz ao sexto filho homem, em condições precárias. Morreu jovem, deixando os filhos todos pequenos, devido ao trabalho excessivo, fragilidade da saúde e aos maus tratos do marido... Foi bom escutar. Resgatar estas histórias, que têm a ver com a minha história, me faz pensar e reavaliar o presente. Um tempo relativo se passou e hoje, ao mesmo tempo que para uns é inconcebível a idéia de tratar um dente com cinza e menos ainda, perdê-lo e; mais inconcebível ainda uma mulher ser considerada e tratada como uma “parideira” e objeto do homem, devido aos avanços em todas as áreas, às mudanças, conquistas e amadurecimento do ser humano; temos, por outro lado, ainda hoje pessoas que perdem os seus dentes, não têm acesso a tratamentos preventivos e curativos e muitas mulheres ainda estão neste lugar de objeto do homem. As coisas, de fato, são atemporais. O tempo que passa, fora, facilita, oportuniza muitas coisas boas, confortáveis; mas o tempo que passa dentro de nós é outro. As mudanças internas, que realmente contam, nem sempre acontecem com a mesma rapidez que as solicitações de fora e os contrastes permanecem... Meu coração me diz que a Mãe Natureza está certa.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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