Meus velhos (1)

Já há algum tempo meu olhar se volta, mais atentamente ou por maior tempo, para os anciãos. Ao mesmo tempo que vou ficando mais velha, também aumenta a convivência com pessoas de mais idade; uma vez que os outros e os mais velhos que eu, também envelhecem! Cada um no seu ritmo e peculiaridade. Há um casal que acompanho “mais de perto”. E, ao perceber as mudanças, algumas bem sutis, outras mais evidentes; no falar, no ouvir, no enxergar, no se locomover, no segurar objetos, transpor obstáculos, processar informações, memorizar, lembrar das coisas (onde estão guardadas, datas, nomes de pessoas, lugares...), adaptar-se ao novo, ao inesperado; no lidar com os apegos, com o aparecimento gradativo de uma hipersensibilidade, impaciência, dengo, medo, insegurança, tristeza, resistência x acomodação (alternadas), insistência, repetição, fragilidade escancarada; eu me comovo! Eu me sensibilizo na raiz e me percebo impotente diante de muitas situações e demandas. E, surpresa, muito surpresa com o que vou observando, sentindo e aprendendo sobre esta fase da vida! Ontem, observava, discretamente o meu casal preferido. Não sabiam que eu estava ali, pois cheguei adiantada. O combinado era buscá-los. Estavam na missa. Constato que neste período, ficaram, ambos, mais “religiosos” e assíduos às celebrações, mais do que me lembre em outras fases de suas vidas. No meio da multidão de fiéis, na missa das 18 horas de domingo, lá estavam eles, recortados pelo meu olhar; um ao lado do outro... Os olhos brilhavam e havia um sorriso sereno e infantil nos seus rostos, escutando as palavras do sacerdote e entoando os cânticos. Frágeis, apoiavam-se um no outro e era evidente o quanto isto é importante: contar um com o outro, estarem juntos neste momento; apesar de todas as diferenças e das dificuldades de consenso, de diálogo que sempre tiveram. Na hora da comunhão, foi demais! As pessoas foram saindo dos seus lugares, rápidas e eles foram ficando para trás... e eu percebi o esforço que ele fez para sair do seu lugar, batendo as pernas, já inseguro no caminhar, envergonhado, pedindo licença aqui e ali (e ninguém facilitou nada para ele, nada de gentilezas, ali, onde, penso, “deveria” haver uma abertura maior para as práticas solidárias), até conseguir um lugar na fila longa, sorrindo sempre aquele sorriso ingênuo e distante, que se desculpa o tempo todo por ser velho e existir... e então ele a chamou e a acomodou na sua frente e a protegeu colocando as mãos nos seus ombros. E então os dois sorriram! Agora um sorriso espontâneo, de felicidade! Isto foi de morrer! E o coral cantava algo melodioso, bonito demais, que naquele momento mexeu nas minhas “entranhas mais entranhadas”: “tu és senhor, o meu pastor, por isto nada, em minha vida faltará”... Foi então que me viram e percebi o suspiro de alívio! Ainda agora, a sutileza do momento produz intensa emoção e um sentimento que não sei explicar, definir, ainda. Na cabeça, isto se mistura e associa ao que aprendi, leio, ouço sobre outras culturas, especialmente orientais e indígenas, que dão e colocam os velhos num outro lugar de valor, importância. E com o qual me identifico e concordo. Estou processando, querendo compreender, aprender a lidar... Tem uma coisa que me inibe, incomoda: as denominações... velhos, 3ª idade, idosos, anciãos... parece que cada uma delas se adapta a uma e outra  situação, mas não a todas. Por vezes gosto, por vezes não gosto de nenhuma e meu desejo é encontrar uma palavra que expresse melhor este período da vida, sem ser pejorativo, excessivo, redundante ou vago, no meu entendimento. Na verdade, entre todas,  gosto mais de velhos. Vou me deslocando de um lugar e deslocando o olhar, que sempre esteve focado na infância e adolescência (por causa do trabalho), para a velhice, outro universo; bastante desconhecido, ainda; que me convoca fortemente.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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