Guardados (3) - "Carão"

         Vamos dançar?
     Era uma ofensa dar um "carão" num baile ou reunião dançante.  Algo que nós, mulheres aprendíamos cedo. “Você corre o risco de ouvir algo bem desagradável e até mesmo de apanhar de algum  homem mais “esquentado””, diziam-me, “se recusar a dançar com ele”! A orientação era para dançar ao menos uma música e,  se não gostasse do moço, agradecer. Minha mãe dizia para não ser indelicada. Nestes idos anos 70, gostava muito dos Bee Gees (ainda curto!), ABBA; do Roberto Carlos, Antonio Marcos (voz linda!),  do Tim Maia (“Você é mais do sei”...) e dos Incríveis! Gostava de “uma e outra” música do Ronnie Von (o príncipe!), do Marcio Greick (que tinha lindos cabelos cacheados!), Jerry Adriani, Wanderley Cardoso (havia uma rivalidade entre estes dois, as fãs se dividiam!!!!!), da Gal Costa, do Chico, da Rita Lee... Mas adorava as orquestras Ray Connif, Paul Muriat  e Frank Pourcell e as italianas românticas, pelas quais permaneço apaixonada. A turma da escola curtia e organizava nas casas, as reuniões dançantes; era uma “febre”. Os guris levavam as bebidas e as gurias, algo para comer. Fiz algumas no porão da minha casa. Meu Deus! Era um evento! Primeiro convencer os pais. Depois, organizar, fazer a faxina, deixar tudo arrumadinho; lugar para sentar, para colocar as bebidas, as comidas... E providenciar as luzinhas! Sim, porque tinha que haver uma penumbra (comportada, porque os pais, pelo menos os meus, fiscalizavam, mas penumbra era essencial!), que a gente conseguia com uma luz azul ou vermelha (de preferência azul, porque a vermelha podia ser mal interpretada, associada à luz de algum cabaré (nem sabíamos muito bem, acho, o que era ou como era um cabaré, mas sabíamos que tinha luz vermelha!). E depois esperar... Quem viria? Viria o garoto por quem nutríamos aquelas maravilhosas sensações que julgávamos ser amor eterno; nunca declarado, somente aos nossos diários e melhores amigas? Geralmente nunca vinha, porque nossos olhares quase sempre eram dirigidos aos rapazes mais velhos, das turmas mais adiantadas; que tinham namoradas ou que freqüentavam outros lugares. À estas reuniões nas nossas casas compareciam nossos colegas de aula. A maioria de nós, gurias, ficava um pouco decepcionada, mas nos divertíamos conversando, rindo e dançando; o que também era interessante, um aprendizado nesta lidança com o sexo oposto, para nós e para eles. Eu me sentia envergonhada, não sabia o que conversar enquanto dançava, as palavras sumiam e percebia que os colegas também estavam lidando com isto; ficavam trêmulos, os passos eram desajeitados, pisavam no pé da gente! Com certeza, para eles era um desafio maior; porque lhes cabia a iniciativa de vir “tirar para dançar”, enfrentando o risco de ouvir um “carão” (e lidar com isto, na frente dos outros?!); conduzir a dança e ainda agradar a colega na condução da mesma! Era muita coisa! Para nós, a tensão ficava por conta de esperar! Alguém viria nos “tirar para dançar”? Seria um guri legal ou seria um chato? Ele dançaria só uma música (o que também era horrível! Sinal de que não tinha gostado de dançar com a gente!) ou dançaria mais de uma? E se a gente não gostasse? Seria legal parar logo depois da primeira música? Ele ficaria chateado e seria grosseiro? E se de repente aparecesse um que não se comportasse; o que fazer? Empurrar, sair correndo, pedir para parar de dançar antes de acabar a música? E se ninguém viesse nos “tirar para dançar”? (o que me aconteceu muitas vezes) Como lidar com o fato de “fazer crochê” a noite inteira? “Ich! Aquela lá não dançou nada; fez crochê a noite inteira...” (não sei se comentavam de fato, mas este era um fantasma...). Nem por isto desistíamos de ir! E se por ventura o guri que gostávamos estivesse no baile, na reunião dançante ou na festa? Meus Deus! Aí sim a gente quase morria de emoção! Nossos olhos ficavam acompanhando o garoto, tempo todo e, se por acaso olhasse na direção em que estávamos, imaginávamos que era para nós que olhava e que logo viria nos “tirar para dançar”. Mas isto nunca acontecia, só com as outras! Nossa! Quanto sofrimento gostoso!!! E que rendia assunto ( a roupa, o sorriso, o cabelo, atitudes...) inesgotável para os diários e para animar os recreios, os intervalos... Poucas meninas eram seguras, confiantes em si mesmas para se mostrar e lançar na conquista; eram as meninas populares, sempre requisitadas para dançar e namorar. Acho que a recíproca era verdadeira para os meninos: havia os mais populares, os que tinham um “rosário” de garotas “apaixonadas” por eles. Gosto de lembrar, quando vem à lembrança... Impressionante e bonito como cada um vai reagindo e se colocando na vida a partir das experiências da infância e destas da adolescência e início da juventude. Bom quando tudo, mesmo o que foi difícil ou muito desafiador pode (pretérito) ser falado, escrito, compreendido, acolhido ou respeitado e transformado em caminho, direção, ideal, força, coragem, trabalho, motivação,  futuro virando presente; porque então valeu a pena. Será que hoje, os homens ainda temem “levar um carão” e as mulheres “fazer crochê”, nas relações? De repente me ocorre que a gente, homem ou mulher, na vida, dá muito “carão” à coisas importantes, julgando-as pela superfície e aparência. E perde. E faz muito “crochê”; ficando parada, presa à acomodação, preguiça, medo, insegurança. Não vamos à luta pelo que queremos. E perdemos.









         

 

4 comentários:

ELICIANE disse...

Maisa... Embora um pouco mais nova que tu também gostava destes cantores ai. Mas, um conselho: deixe o Marcio Greick nos teus saudosos sonhos... Se tu visses ele agora.... Virou um sapo, sapão, sapo boi...

Maisa disse...

Já vi,Eli!!! Impressionante! E nem sei se ele canta, ainda! O tempo é assim; vai marcando e vai mudando... Beijo e obrigada!

Maisa disse...

Já vi,Eli!!! Impressionante! E nem sei se ele canta, ainda! O tempo é assim; vai marcando e vai mudando... Beijo e obrigada!

Maisa disse...

Já vi,Eli!!! Impressionante! E nem sei se ele canta, ainda! O tempo é assim; vai marcando e vai mudando... Beijo e obrigada!


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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